quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Em novembro de 1979, meu primeiro filho se preparava pra nascer.
Um problema de última hora e ele nasceu morto, frustrando tudo que eu, minha esposa e familiares havíamos sonhado.
Pedro, era o nome do moleque.
No atestado de óbito, em vez do nome, colocaram “nati-morto”.
Naquela noite, ainda no hospital, escrevi textos duros, doídos, pra tentar escapar da morte do meu Pedro, pra escapar do choro, pra escapar da mágoa. Em vão.
No outro dia, pela manhã, fiz questão de ir ao Cemitério Parque de Goiânia, cuidar do enterro.
Hoje, 15 de janeiro de 2009, 30 anos depois, eu encontrei os textos que escrevi no hospital.
Sim, meu Pedro, se estivesse vivo, faria 30 anos.
Um envelope amarelado saltou hoje, na minha frente, do nada, na estante da minha sala de trabalho.
São textos duros. Li e chorei como se tudo fosse agora.
Publico cinco textos aqui no meu blog, não como uma coisa mórbida.
Nada disso, embora possa parecer.
Publico como homenagem ao meu filho Pedro, no ano em que ele completaria 30 anos.
Publico como se eu falasse “tô com saudades”, como se dissesse “eu te amo pra sempre”.

Texto 1
Não foi possível que a gente se conhecesse
não foi possível que a gente ficasse amigos
não foi possível que a gente se abraçasse
se entendesse, se gostasse e se dissesse: eu te amo!

Não foi possível que a gente se oferecesse
Não foi possível que a gente se namorasse
Não foi possível que a gente se encontrasse
olhos nos olhos, se olhasse
e se dissesse: eu te amo!

Não foi possível que a gente se beijasse
com todo amor que a gente beija quem se ama
Só foi possível que a gente se despedisse
se desse adeus e chorasse
e nem dissesse: eu te amo!


Texto 2
Aquário,
faltou água pro seu peixe
faltou fôlego, aquário
faltou ar e faltou água.

Seu peixe ficou só no rio seco,
entre as paredes de vidro
quis se debater, aquário
pediu água e lhe faltou.

Quem dera, não faltasse nunca água
pra esses peixes de aquário.
Quem dera eu fosse falsário
pra reinventar a vida
desses peixes sem aquário.


Texto 3
Taí, tô só, seu moleque,
do jeito que eu não queria.
Que a gente lhe esperava...
... também ficou só, Maria.

Taí, tô só, sem palavras,
de tanta mágoa, de tanta
coisa mal feita e imposta,
de tanto nó na garganta.

Pois é, moleque, e agora?
Você pôs o pé na estrada
e a gente ficou sem dono
e a gente ficou sem nada.

Tô magoado, moleque,
tô carregado de mágoa,
tô feito você na bolsa:
sozinho, sem ar, sem água.


Texto 4
Vida sobre pedras,
sobre águas, sobre rios,
sobre serras, sobre corpos,
sobre todos, sobre tudo:
Pedro!

Riso sobre bocas,
sobre olhos, sobre rostos,
sobre passos, sobre cantos,
sobretudo sobre sonhos:
Pedro!!

Hoje, sobressalto,
sob horas, sob choros
sob medos, sob caras,
sob gritos, sob mágoas,
sobre pedras, sob terra:
Pedro!!!


Texto 5
Nati-morto, te chamaram.
Mas eu te chamo de Pedro
Mas eu te chamo de filho
Mas eu te chamo de meu.

Nati-morto ou nati-merda
não dizem a mágoa da gente
não pagam o sonho daquilo
que um dia se quis semente.